sábado, 15 de outubro de 2011

Quando a gente ama...



Prólogo.

     A brisa silenciosa alcançava minha pele em um doce toque gelado - porém carinhoso - e garoa fina que caía sobre mim lavava meu rosto, tentando mandar embora toda a culpa sem motivos que me dominava. Eu estava descalça, de modo que podia sentir a grama molhada entrando em contato direto com a minha pele, e a energia que ela transmitia por todo o meu corpo. O escuro me cercava por completo, fazendo com que eu só pudesse ser guiada pela minha audição, meu tato e último - mas não menos importante - a minha intuição. A parte de mim mais conhecida por todos me mandava seguir em frente, quase implorando para que eu andasse adiante e descobrisse o que tanto me chamava. Mas o meu outro eu, que preferia manter-se escondido e protegido de tudo e de todos, pedia para que eu apenas me sentasse no chão e esperasse alguém aparecer. Como de costume, ouvi a voz que, aos gritos, me dizia: “Ande, garota, vamos lá, estamos quase chegando, eu sinto isso!”. E de repente uma pequena luz se acendeu alguns metros à minha frente. Junto com essa luz, acendeu-se dentro de mim a esperança de sair da noite, de deixar a escuridão para sempre. E quando eu estava quase alcançado-a, mãos fortes seguraram meus braços.
- Sinto muito, querida, mas você não pode chegar até ela – a voz rouca e baixa dizia, mencionando a luz tão desejada por mim.
- Porque não? – perguntei, sentindo o sangue fugir da parte dos meus braços que a pessoa - ou o monstro ou sei lá o que – segurava.
     Deu uma gargalhada alta, e senti meu corpo todo estremecer assim que aquele som invadiu os meus ouvidos.
- Porque você não pertence a eles – disse, apertando mais meus braços e aproximando-se de mim. Roçou a ponta do nariz no meu lóbulo esquerdo e continuou: - Você é nossa a partir de agora.


Capítulo 1.



     This is me for forever, one of lost one... The one witho…
     - Argh – resmunguei, apertando todos os botões do celular até que algum deles fizesse o despertador parar. Eu gostava de acordar ao som de Nemo, do Nightwish. As pessoas diziam que isso era loucura; “onde já se viu acordar com uma música dessas?”. Mas eu costumava deixar esses comentários entrarem por um ouvido e saírem pelo outro. Afinal, essa é uma das músicas que conseguia traduzir perfeitamente tudo que eu estava sentindo por esses dias e estive sentindo por muito tempo. Como sempre, não quis levantar, afinal aquele seria mais um dos dias normais da minha vida, o significava apenas uma coisa: tédio. Geralmente meu programa diário era ir para a escola, voltar para casa, dormir. Todos os dias... Com exceção dos finais de semana, nos quais eu não ia para a escola e passava metade do dia dormindo e a outra no computador.
- Levanta logo dessa cama ou vai se atrasar – a voz que eu tanto odiava alcançou meus ouvidos e, de repente, a raiva tomou conta de mim. – Não quero ter que falar duas vezes!
     Desde que minha mãe morreu, há cinco anos, meu pai esteve muito sozinho. E então, há mais ou menos um ano, encontrou a mulher que faria da minha idiota vida um completo e horrendo pesadelo: ela se chamava Paola, tinha vinte e cinco anos, um corpo de dar inveja e os cabelos castanho-claros caíam super lisos até mais ou menos o “meio” das costas, a pele era cor de café com muito leite e a íris de seus olhos mostravam um belo verde escuro. No começo eu ficava horas me perguntando o que diabos ela tinha visto no famoso Senhor Anthony Rosenberg, mas conhecido por mim como “meu pai”: um homem de quase cinqüenta anos, com duas filhas menores de idade, milhares de propriedades espalhadas pelo mundo e possuidor de um vício terrível que o fazia parecer uns dez anos mais velho: o cigarro. Meu pai era um homem charmoso, isso eu não podia negar, mas a solidão e o cigarro o faziam parecer velho e descuidado. Mas, depois de um tempo (três semanas, para ser mais exata), consegui descobrir o que ela realmente queria do meu pai: o dinheiro. “Pobrezinho, perdeu a esposa, tem duas filhas pra criar, precisa da ajuda de uma mulher... Até parece que é isso mesmo. O que me interessa de verdade nessa história é o dinheiro daquele idiota”. Essas foram as palavras que ouvi a tão amada e santa Paola dizendo ao telefone no dia em que descobri que ela não prestava. Desde então, não consegui mais suportar aquela mulher falsa e sem limites. E ela sabia que a única coisa que eu sentia por ela era nojo, então ela tentava me ferir sempre que tinha a oportunidade. Minha irmã mais nova, Jessica, também odiava aquela mulher detestável, e a chamava de bruxa todos os dias, mas ela se fazia de coitadinha e quem acabava levando bronca era Jessye.

- Estou te fazendo um grande favor te falando pela segunda vez pra levantar dessa cama e ir se arrumar para o colégio – ela abriu bruscamente a porta do quarto e quase gritou.
- Você estaria me fazendo um grande favor se sua boca não se mexesse mais – falei, suspirando e levantando as cobertas, logo em seguida me sentando na cama e colocando minha cabeça entre as mãos, massageando as têmporas com os dedos. – Viu? Já me deixou com dor de cabeça.
- Muito que eu me importo – ela deu de ombros. – Agora vamos logo porque tenho que levar a peste da sua irmã para o colégio e depois te deixar naquele presídio que você estuda.
- Finalmente concordamos em algo – falei. – Agora me faça o imenso favor de sair do meu quarto, ok? 
- Com todo o prazer – ela disse, mas antes de fechar a porta, finalizou: - Mas não se atrase.
     Virei os olhos e pulei da cama, quase que fechando a porta na cara dela. Ouvi ela resmungar algo quando bati a porta, mas nem me importei; não eram as palavras dela que iam fazer a mínima diferença pra mim. Caminhei preguiçosamente até o guarda-roupa, abri a primeira das oito portas e peguei a calça do uniforme horrível e a vesti. Nada me agradava naquele uniforme azul-marinho e azul-claro, mas éramos meio que obrigados a usá-lo. Vesti minha blusa básica preta de mangas e joguei o moletom também do colégio por cima dela. Na altura do seio direito encontrava-se o enorme “B” de “Bristol’s High School”, que era o nome do – como Paola havia falado – “presídio” que eu estudava. A diretora era uma moreninha esquentadinha e viciada em regras difíceis de serem cumpridas. Em qualquer canto no colégio que você olhasse, encontraria uma câmera. Sempre te observando. Eca.
- Ashley? – a voz suave da minha irmã adentrou o quarto.
- Sim? – virei para olhá-la.
- Papai ligou avisando que vai ficar mais duas semanas na França – ela disse, com os olhos cheios de água. – O que significa que vamos ter que ficar mais duas semanas sozinhas com essa bruxa – agora, sua voz não passava de um sussurro.
- Ei, pequena – sentei-me na cama e puxei-a para o meu colo. – Vai dar tudo certo, meu anjo.
     Jessye tinha oito anos, e eu dezesseis. Ela não conviveu tanto com a mamãe quanto eu, mas também era muito apegada a ela. Foi uma grande perda para nós duas, e antes da mamãe morrer eu prometi que tomaria conta da Jessye. Ainda mais agora com essa mulher que estava tentando, a todo custo, colocar o papai contra a gente. Estávamos morando atualmente em Tennessee, mas eu e Jessye nascemos na França. Nossos pais se conheceram lá, mamãe era francesa, então temos uma boa parte da família que, vez ou outra, viajamos para visitar. As visitas agora ficaram limitadas a uma ou duas vezes por ano, porque a Paola acha que é desperdício de dinheiro viajar até a França mais do que uma vez por ano para visitar a vovó e o vovô. Ah, só Deus sabe a raiva que eu tenho daquela mulher.
     Quando percebi que Jessye estava chorando, rapidamente sequei as lágrimas dela e a abracei mais forte.
- Não chore, Jessye – falei, afagando seus cabelos. – Sei que é difícil, mas por favor, não chore.
- Eu queria ser forte como você, Loise – ela fungou e soluçou, encaixando a cabeça na curva de meu pescoço.
- Eu não sou forte, maninha – permiti que uma lágrima rolasse por minha face. – Só não gosto de parecer fraca perto da Paola. Isso a faz pensar que estamos entregando os pontos.
     Rapidamente, Jessye se afastou e me encarou, secando as lágrimas: - Nós nunca vamos entregar os pontos!
- Eu sei que não – sorri para ela, e coloquei-a de volta no chão, logo em seguida me levantando. – Agora vamos. Ela já está estressada, é melhor não piorar a situação.

* * *

     - Mais uma das manhãs terríveis? – Anne, a minha melhor amiga, perguntou enquanto saltitava do meu lado em direção à nossa sala de aula.
- E eu por acaso tenho alguma manhã que não seja terrível? – perguntei.
- Sei lá – ela deu de ombros. – Mas e seu pai, já voltou da França?
- Nem vai voltar tão cedo – respondi, dando um sorrisinho desanimado. – Ligou dizendo que vai ficar lá por mais duas semanas... Mas eu o conheço. Ele vai estender a estadia.
- Que saco, hein? – Anne disse, enquanto colocava a mochila em cima da carteira. – Mais duas semanas sozinhas com aquela megera.
- É – falei. – Eu sei muito bem disso.
- Oi Ashley – ouvi uma voz trêmula logo atrás de mim, e Anne virou os olhos, o que me fez reconhecer quem era sem nem mesmo precisar olhar.
- Sheldon – forcei um sorriso.
- Tudo... Tudo bem? – ele gaguejou, sorrindo de um jeito desajeitado.
- Uhum, tudo bem sim – falei. – E você, como está?
- E-estou bem t-também – ele disse, estralando os dedos de nervosismo. Um silêncio se formou ali entre nós. Ao olhar de canto, pude perceber que a ganguezinha de nerds dele estavam olhando para mim com expectativa.  
- Então eu... Vou... – ele respirou fundo e abriu um largo sorriso. – Vou sentar.
- Ótimo, faça isso – falei, dando dois tapas leves no ombro direito dele. Ele sorriu e correu para sua carteira, sendo acolhido por todos os seus amigos histericamente nerds. 
     Sheldon era um fofo: Um pouco mais baixo que eu, cabelos e olhos castanhos e a pele naturalmente branca (e eu sabia que ele era completamente apaixonado por mim desde a sétima série), mas eu realmente não tinha paciência pra ele e suas nerdices. Sei que era muita frieza da minha parte, mas eu não podia evitar. Era natural de mim.
- Esse garoto é um chato – Anne falou, jogando-se na cadeira e apoiando os cotovelos na carteira.
- É, eu sei - falei, tomando um enorme cuidado para que ele não ouvisse. – Mas enfim, faz parte. Não é minha culpa se eu nasci incrivelmente linda e completamente “apaixonável”.
     Dei uma gargalhada alta e Anne fez o mesmo.
- Você não presta – ela disse, virando os olhos.
- Eu sei – falei rindo enquanto me sentava.
- Abram a apostila na página 164 – o professor de Física falou assim que adentrou a sala de aula. – Não quero ninguém com celular ou MP-qualquer-coisa hoje. Se eu pegar, só os pais de vocês poderão retirar. Na diretoria.
- E a tortura começa – Anne sussurrou, abrindo a apostila.
- Mais um dia normal na Bristol’s High School – sussurrei enquanto me virava para tirar a apostila e o caderno, mais para mim mesma do que para Anne.

     No meio da quinta aula - a monótona aula de História - arranquei silenciosamente uma folha do meu caderno.
 Tive mais um daqueles sonhos malucos
     Escrevi na folha e joguei-a discretamente para a Anne. Logo em seguida, a folha caiu no chão ao meu lado.
 Como foi?
     Escrevi:
Estranho, como de costume. Envolvendo... Bom, todas as coisas presentes no sonho praticamente gritavam pra mim, dizendo que eu pertencia à escuridão. Gritavam no sentido figurativo, claro”.
     Poucos segundos depois, o bilhete estava na minha mesa.
Já pensou em procurar um médico?
    Você é incrível, Anne” – escrevi, e logo continuei: “Talvez eu procure, não sei”.
- Com licença – a professora, Senhorita Marianne, praticamente arrancou o bilhete das minhas mãos. Depois de passar os olhos pelo bilhete, ela tirou os óculos e me encarou. – Se a aula está chata demais para você, senhorita Rosenberg, peço que se retire.     
     Suspirei. Não adiantaria contrariar. Levantei e, com um aceno de cabeça, pedi desculpas a ela. Fui caminhando até a porta e ela me seguiu.
- Qual é o problema, Ashley? – ela disse, assim que fechou a porta. – Você sempre foi uma ótima aluna, eu nunca precisei te tirar da sala de aula desse jeito. O que está acontecendo?
- Eu sinceramente não sei, senhora – falei, de cabeça baixa.
- Não é o que eu queria, mas infelizmente terei de, pela primeira vez, contatar seu pai – as palavras saíram severas de seus lábios, e sua expressão não estava nada boa.
- Sinto muito – minha voz não passava de um sussurro. Eu estava cansada demais para dar qualquer resposta ou para discutir com ela.
     Entramos na sala em silêncio, e ela continuou explicando a matéria. Anne olhou pra mim, e seus olhos perguntavam o que tinha acontecido. Com um sinal de mãos, falei para ela que contaria tudo depois.

     - Então é isso? – Anne perguntou, andando ao meu lado até o outro extremo do pátio. – Ela vai chamar seu pai e pronto?
- É, vai – dei de ombros. – Nada com que eu deva me preocupar. Ele no mínimo vai dar um jeito de sair ileso da situação, vai me mandar para um psiquiatra, me deixar de castigo pelas próximas duas semanas e está tudo resolvido.
- Seu pai é uma pessoa muito prática – ela riu, sem diversão alguma.
- Às vezes cansa – falei e dei um suspiro pesado, sentando em um dos bancos de madeira bem conservada. – Não tanto por mim, mas pela Jessye. Ele é ausente demais na vida dela... E a importância de se ter um pai presente na idade em que ela está é bem maior, ainda mais quando não se tem uma mãe.
- Você tem sido uma bela mãe pra ela – Anne disse enquanto sentava-se ao meu lado, comendo uma mini-pizza de queijo. – Nesse tempo todo, mais do que uma irmã... Creio que você é o maior exemplo da menina. Vai por mim.
- Eu acho que sei – repliquei. – Mas mesmo assim... Ah, você me entende.
- Claro que sim – ela falou e olhou-me com ternura.
     Anne era um pouco mais baixa que eu – o que significa que ela não era nem tão alta nem tão baixa – e tinha a pele bem bronzeada. Os cabelos castanhos caíam lisos até um pouco abaixo dos seios e seus olhos, de um castanho escuro, tinham tamanho proporcional ao rosto, assim como os lábios carnudos e o nariz padrão. Ela tinha sido minha melhor amiga naquele tempo todo. Nos conhecemos na quinta série, e desde então nunca mais nos separamos. E era uma amizade interessante, porque ela não cobrava nada de mim e nem eu dela. Eu digo... Éramos melhores amigas, sabíamos disso. Mas ambas sabíamos também que, vez ou outra, precisávamos de um tempo com outras pessoas. Tempo para respirar, para expandir um pouco. Nos respeitávamos, o que era de grande importância tanto para mim quanto para ela.
- E o Matt? – A voz de Anne interrompeu meus pensamentos.
- O que tem o Matt? – repliquei, deixando que um sorriso se formasse em meus lábios.
- Idiota – ela virou os olhos. – Matt convidou a senhorita para a festa no final de semana, esqueceu?
- Não, não esqueci – falei. – Mas também não dei importância nenhuma.
- E porque não?! – ela quase gritou.
- Escândalo, Anne, olha o escândalo – dei uma gargalhada. – E, bom... Porque não. Você sabe que não gosto dele.
- Vou te bater, Ash – ela disse, suspirando. – Agora me responda: porque não gosta dele? A maioria das garotas daria qualquer coisa para ficar com ele, e você ta jogando essa chance no lixo!
- Ok, é muito simples – comecei. – Primeiro: Eu não faço parte da “maioria”. Segundo: Ele é fútil. É ótimo para o time de futebol, mas quando abre a boca é um completo imbecil. Terceiro... bom... Quero reforçar os dois primeiros fatos.
- Eu quero te bater muito – ela disse, dando ênfase exagerada no “muito”.
- Obrigada, eu também te amo – sorri para ela, e ela deu um soco leve no meu ombro.
- Vocês viram?! – aquela voz irritante que eu tanto evitava invadiu meus ouvidos.
- O que foi dessa vez, Spencer? – perguntei, virando os olhos. Spencer era a garota mais chata e fofoqueira de todo o colégio... E provavelmente de toda a história dele. 
- A garota nova que entrou no colégio! – ela disse, sentando-se ao lado de Anne, que se afastou um pouco. – Ela é tipo... Muito estranha.
- E o que temos a ver com isso? – perguntei.
- Talvez quisessem saber, afinal ela vai estudar com vocês – Spencer deu de ombros. – Enfim, vou indo. Tchauzinho!
- Ela me irrita – Anne disse, respirando fundo e sem tirar os olhos de Spencer.
- Eu sei, é assim comigo também – falei, recostando-me no muro atrás do banco.
- Quem será que é a garota?
- Não faço a mínima idéia, Anne – dei de ombros. – E nem quero fazer. Por mim, tanto faz.
- Desinteressada – Anne virou os olhos.
- Exatamente – dei uma risada baixa, e ela riu comigo.

     Subimos as escadas sem pressa enquanto os outros alunos corriam loucamente em direção às suas respectivas classes.
- Tenho medo desse colégio – eu falei, olhando todos ao meu redor. – Vem cá, eles são pessoas ou animais?!
     Anne riu.
- Animais, eu acho – ela disse. – Todos são animais mal-educados. Mas nós somos exceções, claro.
     Dei uma gargalhada alta.
- Temos que aula agora? – perguntei.
- Hn... Deixa eu pensar – Anne disse, batendo com o dedo indicador no lobo temporal direito. – Filosofia, eu acho.
- Ah, finalmente um aula boa! – exclamei, erguendo as mãos em um gesto exagerado, o que me garantiu diversos olhares.
- Odeio andar com você – ela falou, escondendo o rosto. – Você chama muita atenção.
- Olha quem fala, Senhorita Escandalosa! – falei rindo e dando um tapinha nas suas costas.
- Meninas, pra dentro – a orientadora, Paula, disse.
- Ahn... Ok – falei, franzindo o cenho. – O Senhor Johan faltou hoje?
- Vocês já vão saber – ela disse, e me empurrou delicadamente pra dentro da sala.
     Sentei-me e apoiei o queixo nas mãos, e algo no fundo da sala chamou a minha atenção. Virei discretamente a minha cabeça, e então vi a garota que deveria ser a novata de quem Spencer falara no intervalo. Ela estava sentada de uma maneira desleixada, na fileira da parede, batendo as unhas curtas na carteira, quase sem provocar som algum. Seus cabelos negros desciam em ondas quase imperceptíveis até um pouco abaixo dos ombros, seus olhos castanhos transmitiam uma tristeza profunda, e seus lábios carnudos e rosados, contrastando com a pele branca do rosto, curvavam-se em um bico discreto e infeliz. Por um momento, quis ajudá-la. Desvendar os seus mistérios, suas tristezas... Destruir tudo o que a afetava.
- Ash? – Anne sussurrou, me tirando do transe em que eu entrara.
- Oi? – sussurrei em resposta.
- Ouviu o que ela disse? – perguntou.
- Não – falei, e voltei a olhar para a garota.
     Assim que nossos olhares se encontraram, senti algo diferente. Ela não desviou o olhar; pelo contrário, continuou me encarando. Quando vi que ela não iria ceder, deixei meus lábios se repuxarem num pequeno sorriso e virei para frente, onde pude ver uma professora substituta junto com a orientadora. 
- Quem é? – sussurrei para Anne, que logo em seguida virou os olhos.
- O professor Johan sofreu um acidente, mas nada grave – ela disse. – Ele vai voltar dentro de um ou dois meses. Sabe, é aquela coisa toda de “recuperação psicológica”. Aquele velho é um fraco.
- Ual, sua delicadeza me comove – falei, irônica. – Eu gosto dele. Ele é legal.
- Só quando tem alguma aluna pra dar em cima – ela disse, dando uma gargalhada logo em seguida. Ficamos em silêncio assim que a orientadora nos lançou um olhar severo, e então a professora substituta começou a se apresentar. Seu nome era Janne, tinha quarenta e cinco anos e parecia um abajur um pouco acima do peso. Uma versão feminina e mais baixa do Hagrid, de Harry Potter. Esse pensamento me fez rir por um segundo.
     Durante o resto da aula, fiquei rabiscando qualquer coisa no meu caderno. Não estava inspirada para escrever, nem compor, nem desenhar (nem nada do tipo) e a aula estava totalmente entediante. Foi quando um pequeno pedaço de papel caiu na minha carteira. “Anne”, pensei. Mas ela estava concentrada demais na aula (pela primeira vez!). Abri cuidadosamente o pequeno pedaço de papel amassado e pude ler, em uma caligrafia um tanto quanto estranha, as seguintes palavras:
      Que coisa feia ficar encarando os novatos. Isso assusta, sabia?”.
     Deixei um sorriso se formar em meus lábios e escrevi:
     Opps, desculpa, ninguém tinha me falado dessa regra! Haha.
     Joguei-o, e logo ele estava na minha mesa novamente:
     Meu nome é Lauren, sou de Los Angeles. E você, como se chama?”.
     Ashley”, respondi. “Está gostando daqui?”.
     Muito”.
     Quando virei para olhá-la, ela cruzou os braços e mordeu o lábio inferior, encostando-se na carteira e me encarando. É... Algo me dizia que o fato de ela ter se mudado para Tennessee era realmente bom.

* * *



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