quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

She

- Muito legal da sua parte me trazer até o quarto – ela disse, encolhendo-se por causa do frio.
- Está escuro e está tarde – respondi, passando meu braço direito em seus ombros e apertando-a levemente.  – Nada mais justo.
     Ela riu. O som daquele riso penetrou meus ouvidos de uma maneira suave. Doce, mas ao mesmo tempo amargurado... Uma mistura perfeita do certo de do errado, do sonho e da realidade.
- Não sei se é legal você ficar olhando para mim desse jeito – seus lábios curvaram-se em um pequeno biquinho manhoso.
     Sorri e aproximei meus lábios de sua orelha.
- Desculpe – sussurrei. – Olhar pra você é a melhor coisa que eu posso fazer. 
     Ela envolveu minha cintura com seu braço esquerdo, ficando cada vez mais perto de mim enquanto caminhávamos devagar até o quarto. As luzes dos outros quartos estavam todas apagadas, mas a lua fazia com que a noite ficasse clara e convidativa. O lugar era aconchegante e, apesar do frio, eu não queria sair dali; queria ficar, sentar em um dos diversos bancos na calçada com ela ao meu lado e ficar conversando sobre as coisas sem explicação do Universo. Ri com esse pensamento. Mesmo sentindo que queria ficar com ela para sempre, era errado. Mais do que prejudicar a mim, esse relacionamento prejudicaria a ela e com certeza aos negócios do pai dela caso virasse fofoca. E, mais uma vez, minha felicidade estava limitada.
- Olha, que lindo, duas namoradinhas aproveitando a noite – a voz que eu menos queria ouvir interpretou essas palavras. – Não querem parar e se divertir um pouco com a gente?
     Ela olhou para trás, mas rapidamente virei seu rosto.
-Não olhe – falei. –Já estamos quase chegando ao seu quarto, e é melhor não dar ouvido ás provocações dele.
- Mas... Quem é ele? – ela disse, franzindo o cenho e encarando-me.

- Dave. É um garoto que me deu problemas há um tempo – sussurrei. – Fiquei com a namorada dele, sem saber que era namorada dele, e ele descobriu.
- E isso faz quanto tempo? – ela perguntou.
- Dois anos e meio, eu acho – dei de ombros. – Ele já me falou tudo o que você pode imaginar. Ameaçou-me de morte, inclusive.
- E você não tem medo, Rachel?! – ela falou, parando e se afastando para poder me olhar.
     Abracei-a novamente e a fiz andar mais rápido. Agora já estávamos perto da quadra de tênis, o que significa “sem nenhuma alma viva por perto além da gente”.
- Parem de fugir, gatinhas! – dessa vez era um amigo dele que falava. – Só queremos nos divertir um pouco.
- É – a voz de Dave voltou. Eles provavelmente estavam bêbados. – Aliás, Rachel tem uma pequena dívida comigo.
     Parei de repente e me virei.
- É, Dave, eu acho que tenho – falei alto e claro. – Mas eu já te expliquei essa história. Eu NÃO SABIA Dave.
- Ah, eu duvido! – ele falou, se aproximando. O outro começou a olhar maliciosamente para Lucy, o que me fez colocá-la atrás de mim.
- Ok, aqui vai o acordo para essa noite – comecei. – Eu fico e conversamos a respeito... Ou sei lá o que você quer fazer.
- Mas...? – ele perguntou, sorrindo.
- Deixe-me levar ela até o quarto dela primeiro – falei. – Estamos perto, não vai demorar nada.
- Ah, mas acho que o Johnny estava gostando da mocinha – ele fez um bico e logo em seguida deu uma gargalhada. – Ela fica.
- Por favor, Dave – encarei-o, respirando fundo. – É só o que eu te peço. Faço o que você quiser, mas, por favor, deixe-a fora disso.
- Não ia ser tão divertido se fosse tão fácil – ele sorriu maliciosamente. – Quero que vocês duas fiquem para brincar conosco.
- Tudo bem, Rachel – ouvi Lucy sussurrar.
-Não, não tá tudo bem – sussurrei em resposta. – Isso é problema meu e você não deve ficar aqui.
- Se for pra te ajudar... – ele respirou fundo. – Tudo bem, eu já disse.
- Entende uma coisa, Luciana – falei e me virei para ela, segurando levemente seus braços com as duas mãos. – Você não vai ficar aqui de jeito nenhum. Esses caras são perigosos... E eu não iria agüentar se eles fizessem algo contra você. 
- Você me ama tanto assim? – ela permitiu-se sorrir.
     Sorri em resposta. Essa era uma entre as mais de mil coisas que eu mais amava nela. O seu sorriso e a capacidade que ela tinha de sorrir nas piores situações possíveis.
- Mais do que você imagina, garota – toquei seu rosto com a mão direita e coloquei uma mexa dourada atrás de sua orelha.
- Na boa, agora eu to ficando cansado! – Dave gritou. – Dá pra deixar a porra do romance pra depois?!
- Cala a boca, garoto! – Lucy gritou.
     Dave pareceu levar um banho de água gelada.
- O que você falou, loirinha? – ele disse, respirando fundo e tentando soar calmo.
- Mandei você calar a boa – Lucy disse.
- Lucy, pára – pedi.
- Não, não paro! – ela gritou. – Dave, a Rachel já falou que ela não sabia que aquela garota era a sua namorada. E se ela procurou a Rach, é porque você não foi o suficiente. Já parou pra pensar nisso?
- Luciana, chega! – sussurrei, apertando os dentes e segurando um dos braços dela. – Dave, não leva a sério. Ela não sabe do que tá falando.
- Não, não. Tarde demais – Dave disse e, para piorar a situação, tirou um revólver do bolso da jaqueta. – Agora ela já falou... E acho que já tá na hora de cumprir aquela promessa que eu fiz pra você, Rachel. Lembra?
- Ele disse que estava prometendo que iria te matar – Johnny falou. – Lembro disso.
- Espera – falei. – Vamos resolver isso, Dave. Sem violência.
- Sem violência?! – ele quase gritou, apontando a arma para Lucy e depois para mim. – A sua namoradinha chega me agredindo verbalmente e você diz “sem violência”?!
- Desculpa – ouvi Lucy dizer e pude perceber pela sua voz que ela estava chorando.
- Tudo bem, meu anjo – falei, colocando-me na frente dela mais uma vez. – Dave, por favor. Abaixa essa arma e vamos conversar como duas pessoas civilizadas. Só eu e você. Lucy e Johnny não têm nada a ver com essa história.
- Pára de querer fazer ela fugir! – ele gritou. – Vamos ficar aqui, nós quatro.
- Dave, abaixa essa arma, parceiro – Johnny falou. – Tava tudo divertido até agora... Mas não tá mais. A morte de alguém não vai levar a nada.   
- Cala a boca, Johnny! – Dave apontou a arma pra ele, mas logo voltou para mim. – Eu decido isso.
- Dave, nós podemos chamar a Kassandra para conversar conosco – eu falei. – Podemos esclarecer tudo de uma vez por todas.
     Seus olhos estavam banhados em lágrimas, e seu rosto estava vermelho de raiva. Os dedos já estavam ficando brancos, tamanha era a força com que ele segurava aquele revólver.
- Por favor, Dave – sussurrei, olhando em seus olhos.
- Não! – ele gritou e disparou.
     Sempre dizem que quando você está prestes a morrer, tudo se passa em câmera lenta. Mas não, para mim não foi assim. Aconteceu tudo muito rápido: Johnny se preparou para empurrar a mão do Dave, que apertou o gatilho, que disparou em minha direção, que fui protegida por Lucy... E, depois disso, tudo o que consegui ver foi ela caindo em meus pés.
- Lucy! – gritei. Ajoelhei-me ao seu lado e toquei seu rosto. Fui analisando cada detalhe de seu corpo, procurando o lugar em que a bala estava. Em sua barriga, do lado direito, havia uma grande mancha vermelha em sua camiseta branca.
- Viu como é perder sua namorada?! – Dave perguntou, ainda com a arma apontada para Lucy. – É doloroso, não é?!
     As lágrimas escorriam sem parar pelo meu rosto, que estava agora bem perto do rosto de Lucy. Sua respiração estava fraca, mas eu precisava senti-la.
- Responde, porra! – ele gritou e, sem demorar, atirou mais uma vez.
     O grito de Lucy em meu ouvido ecoou em minha cabeça e me fez acordar para tudo aquilo.
- Dave, chega! – gritei, minha voz preenchida pela dor. – Você percebe o que você fez?!
     Ele abaixou a arma e começou a chorar, sem desviar o olhar do corpo pequeno que estava perto de mim.
- O que foi que eu fiz? – ele sussurrou, ajoelhando-se e escondendo o rosto nas mãos.
- Olha bem! – gritei, agarrando seus cabelos com uma das mãos e obrigando-o a olhar para Lucy. Johnny chegou e deu um soco bem dado na cara dele.
- Já chamei a polícia e uma ambulância – ele disse para mim, sem saber o que fazer. - E você, Dave... Droga, porque você nunca pode parar?!
- Eu não sei – ele sussurrou.
     Ignorei a minha raiva – e a vontade incontrolável de pegar aquela arma e matar aquele filho da mãe – e me coloquei de joelhos ao lado dela. Sua respiração ficava cada vez mais fraca e cada vez mais difícil. A segunda bala estava praticamente do lado da primeira, e a pequena mão dela estava tentando cobrir os ferimentos.
- Me desculpe – ela sussurrou com dificuldade.
- Não fala nada, meu amor – tentei sussurrar em seu ouvido, mas as palavras perdiam-se em meio á tantos soluços.
- Me desculpe por tê-lo provocado – ela disse e fechou os olhos, mordendo o lábio inferior para conter um grito. Respirou pesadamente e voltou a falar: - Se não fosse por minha causa, nada disso teria acontecido.
- Teria acontecido sim – falei, acariciando seu rosto e olhando diretamente em seus olhos. – A culpa não foi sua, Lucy. Você só não deveria ter ficado na minha frente- dei um sorrisinho triste.
     Ela tentou rir, mas logo desistiu e apertou os olhos.
- Pelo menos consegui te fazer rir – falei, secando meus olhos com uma das mãos e sorrindo um pouco. – Sou eu quem deve pedir desculpas. Se você não estivesse comigo... – mais uma onda de lágrimas chegou até meus olhos, e não consegui terminar a frase.
     Após uns segundos, consegui falar: - Johnny já chamou a polícia e uma ambulância.
-Vai ficar tudo bem – ela disse de olhos fechados.
- Eu espero – respirei fundo.
- Ei, me faz um favor? – ela perguntou.
- Todos os favores do mundo – respondi, segurando sua mão livre.
- Canta pra mim? – ela abriu os olhos com dificuldade.
- Claro – falei. Com cuidado, apoiei-me no cotovelo esquerdo e comecei a acariciar seus cabelos macios e dourados. – O que quer que eu cante?
- O que você quiser – ela sussurrou. – Algo... Para mim.
- ‘Cause  have found someone that I think is beautiful. And I have fallen in love… And I’m telling you: She means everything to me. And she makes me feel nothing else matters, not even what the world thinks of me. 

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