Lost Dreams.

Prólogo

- Tenho esperanças de que você seja quem eu espero que seja – falei.
- Ahn? – Ela perguntou, franzindo o cenho.
- O amor da minha vida – respondi, desinteressada. – E toda esse coisa idiota de filme. Tudo bem... nós somos meio “fora do padrão... – dei um riso abafado e ela também. Logo, então, dei continuidade. – Mas isso, de qualquer maneira... é amor, não é?
- É – ela falou, olhando fixamente para o céu e acariciando meus cabelos. – De qualquer maneira, é amor. E... Megg?
- Sim, Aly?
 Ela beijou-me uma vez a testa e logo desceu para os meus lábios, colocando as duas mãos em meu rosto. Afastou os lábios apenas alguns centímetros dos meus e sussurrou:
- Sempre será amor. Para sempre e sempre.




Capítulo 1.


O dia já havia começado faziam algumas horas. O frio estava intenso, mais ou menos 0Cº, se não me engano. As pessoas que se encontravam na praça andavam rapidamente com destino, imagino eu, a qualquer coisa que eles queriam fazer parecer importante. Iniciando suas corridas diárias. E logo, eu iniciaria a minha. Nasci em Bristol, Tennessee, mas aos meus quatro anos minha família mudou-se para Hunter, que fica mais ou menos à vinte e dois km de distância de Bristol. E hoje, estávamos nos mudando para minha cidade natal. Todas as coisas já estavam encaixotadas, a casa já estava vazia. Eu acho que sei que isso era infantilidade de minha parte, mas eu realmente não queria sair dali. Eu tinha um carinho especial por aquele lugar. A janela do meu quarto tinha uma vista ótima para a praça central da cidade. E além da praça, eu podia ver ás árvores, e ouvir os pássaros cantando e voando em volta delas. “[i]Você já tem quinze anos, Megan. Está grandinha demais para ficar chorando por conta de uma mudança[/i]”. Foram essas as palavras de meu preocupado e gentil pai, o Sr. Edward Davies. Ou ‘tio’?  Ah, não tinha palavras para aquilo. Desde que minha mãe falecera, há quatro anos, eu tive que tomar conta de mim mesma e de meu pai. Minhas duas irmãs, ambas mais velhas que eu, já tinham se casado e formado suas respectivas famílias, e vinham me visitar poucas vezes no ano. Era o que dava para fazer. E meu pai, entregue as bebidas. Como sempre esteve desde a morte da mamãe. Nosso relacionamento havia piorado muito. Há pouco tempo, Edward conheceu Christine, alguém que prometeu mudar a vida miserável que ele possuía. Christine tem duas filhas; uma de quinze anos, como eu, e outra de cinco. A mais nova, Andy, era completamente viciada em mim. Todo dia no horário em que eu chegava da escola, ela estava me esperando com duas bonecas na escada na frente de casa. Já a mais velha, Luce, me odiava. Não faço a mínima idéia do porquê.
- Megan? – a voz aguda e melosa de Andy ecoou pelo quarto vazio. – Mamãe e papai já estão indo. E a Luce tá estressada, então eles pediram pra mim vir buscar você.
- Me dê só mais um minuto, querida – respirei fundo e fechei os olhos. Inalei aquele ar gelado do inverno e prendi minha respiração. Queria guardar daquele lugar o máximo que eu pudesse.   
- Megg... – Andy falou.
- Ok, Andy – pulei do parapeito da janela e andei calmamente até a porta. Segurei a mão da pequena garota e encarei-a.
- Tá pronta? – ela apertou minha mão, com um sorriso encorajador nos lábios.
- Estou – falei, respondendo seu sorriso. Mas eu sabia que eu só estava tentando me manter forte.

- Eu quero que me ligue todos os dias! – Lily chorava do outro lado da linha. Não tive a oportunidade de despedir-me dela no dia da mudança, pois Christine disse que era melhor que eu não a visse, para não sentir tanta falta depois. Eu sabia que seria completa e horrívelmente doloroso me manter distante da Lily. Nos conhecíamos desde os sete anos, e éramos tipo irmãs gêmeas desde aquela época.  
- Ei, Lílian! – falei, tentando fazer minha voz ser mais alta que os soluções dela. – Está tudo bem, ok? Eu vou te ligar todos os dias. Prometo.
- Não vai, não – Christine disse. – A conta de telefone vai sair muito cara.
- Eu vou ligar do meu celular, Cobrinha – falei, usando o apelido que eu havia dado a ela. – Eu vou gastar do meu dinheiro e não do seu. Então cala essa boca.
- Edward! Olha o jeito que a sua filha está falando comigo! – ela gritou, a voz histericamente enjoativa ecoando em meus ouvidos.
- A próxima vez que você falar assim com Christine eu vou jogar essa porcaria de celular no lago mais próximo! – Edward gritou comigo. – Agora desliga essa merda antes que eu pegue e não te devolva mais.
- Pai! – gritei em resposta. – Essa mulher SEMPRE coloca você contra mim! Será que você não entende isso?
- É verdade, pai... a mamãe passa dos limites ás vezes – Andy, que  há alguns minutos atrás dormia profundamente, simplesmente abriu os olhos e disse.
- Calada, Andy! – Christine gritou.
- Não quero mais UMA palavra! – Edward bufou. – A próxima que falar, vai ficar na estrada. Incluindo você com esse celular, Megan.
Merda, pensei. Ah, aquela filha da mãe vai me pagar por esses três anos de insultos. Ah se vai. Desliguei o celular sem nem mesmo avisar Lily; achei que não precisava, pois ela provavelmente ouvira a briga. Mandei um torpedo.

Lily.
Você provavelmente ouviu a discussão. Realmente sinto muito por isso.
A promessa das ligações ainda está de pé. Rs
Te amo muito, Lily. Até mais.

Desliguei o celular e fechei os olhos. É... essa seria uma longa – muito longa - viagem.

*  *  *

Andy puxava a minha camiseta. “Para com isso, Andynne. Joga água nela logo, que droga”, ouvi a voz da Luce.
- Não precisa, vadia – falei, abrindo os olhos.
- Do que você me chamou?! – ela gritou. – Repete se for mulher, caramba!
- Se ferrou – dei um riso abafado. – Eu não sou mulher.
- MÃE, PAI! – Luce gritou. – Essa lésbica idiota tá me insultando!
- Lésbica?! – Christine correu até o carro. – Que história é essa?!
- Invenção da sua filhinha amada, Christine – levantei os braços e estiquei, provocando dois estalos altos. – Eu gosto de homem. Se ela gosta de mulher e já tentou me pegar, o problema é dela.
- O quê?! – Christine gritou, agora olhando pra Luce, que me encarava incrédula. Sorri e saí do carro, andando em direção ao portão da... casa? Aquilo era realmente uma casa?!
- O que foi, filha? – Edward se aproximou. Dei razão a ele por ter se assustado, afinal eu estava boquiaberta e com os olhos arregalados. – Eu exagerei na compra?
- Qu-quase nad-nada, Ed-Edward – gaguejei, mantendo meu tom irônico.
 Um portão alto se encontrava à minha frente. As barras de ferro pretas iam retas até certa altura e depois se entrelaçavam, formando uma ‘ponta’ no alto do portão. Os muros brancos que pareciam ser pintados mensalmente eram ligeiramente altos e perfeitamente cuidados. Seguindo do portão, podia-se ver uma calçada estreita que seguia por um longo caminho até os mais ou menos cinco ou seis degraus da escada. A porta, da mesma madeira clara da escada, era grande e havia, esculpido nela, um desenho de... seria uma ilha? Bom, não consegui distinguir. As cercas da varanda eram quase que como o portão, e contornavam a grande casa branca de um extremo ao outro. Luce passou bufando por mim, sendo seguida por Christine que foi acompanhada por Edward. Olhei em volta, procurando Andynne. Ela estava correndo pelo jardim com sua boneca, Marrie. A grama do jardim era de um verde forte, vivo. Haviam algumas pequenas árvores – as quais eu não sabia o nome – e também diversos tipos de flores. Porém, o que me chamou a atenção foram algumas poucas rosas que pude ver atrás da casa. Quando dei os primeiros passos em direção à elas, Edward apareceu na porta.
- Meninas, venham! – chamou-nos. – Vamos conhecer o interior da casa.
 Andynne passou correndo à minha frente sem nem olhar pra mim, tamanha era a felicidade da garota. Bem... eu não podia culpá-la, afinal estávamos quase que num castelo. Vi que ela ficou me esperando na porta, então andei rápido até lá. A porta de entrada dava direto para uma grande sala. Havia, no meio da sala, dois sofás de couro, uma televisão e um enorme tapete. Na parede do fundo, havia uma estante cheia de livros, e logo ao lado uma porta de vidro que oferecia passagem ao jardim dos fundos, creio eu. Ao olhar para os lados, o que eu conseguia ver eram portas e mais portas. E também uma escada reta. Andynne já havia subido correndo atrás de Edward, e eu andei calmamente. Na parede, quadros abstratos chamavam minha atenção, mas nenhum de algum pintor que eu soubesse algo a respeito. No final da escada, mais portas. As portas que já estavam abertas eram dos quartos. O quarto de Luce, pelo que pude ver, era preto e vermelho, cheio de coisas estranhas penduradas no teto. O quarto de Andynne era lilás, com uma estante cheia de bonecas de todos os tipos e tamanhos. Edward e Christine estavam em um quarto azul claro, com uma enorme cama de casal e uma suíte. Andei vagarosamente até a porta onde estava escrito “Querida Megan” em letras escuras. Girei a maçaneta prateada e abri a porta lentamente. O quarto era enorme, assim como todos os outros. A parede do fundo era de um tom escuro de laranja, e as outras três eram de um tom mais claro. O guarda-roupa cobria quase que uma parede inteira, e havia um computador em um canto. A cama de casal tinha a cabeceira encostada à parede, e diversos travesseiros em cima dela. E então, a grande porta de vidro. Andei até ela e a abri, indo para a sacada. De lá pude ver um velho homem com roupas e equipamentos apropriados para jardinagem. E ele estava cuidando das roseiras mais lindas que já vi. Eu podia sentir o perfume delas ali mesmo onde eu estava. Rosas amarelas, brancas, vermelhas, cor-se-rosa... as mais lindas que eu já havia visto na vida. O homem ergueu a cabeça em busca de algo, e logo seu olhar me encontrou. Ele sorriu para mim e acenou, e eu sorri em resposta. Pelo seu olhar, pude compreender que eu havia encontrado um amigo.     

*  *  *



- Megan – Luce falou, de má vontade. – A gente tá descendo, vamos sair, conhecer a cidade. É pra mim perguntar se você quer vir junto.
- Então pergunta, oras – dei de ombros. Ela ficou em silêncio e virou os olhos. – Ah, claro... poupe seu tempo, irmã – ironizei. – Eu vou ficar.
- Ah, isso é tão ótimo! – ela gritou. Dei um sorrisinho cínico, levantei e bati a porta. Minhas malas já estavam todas ali. Peguei meu celular, meus fones de ouvido e sentei em uma das três cadeiras da sacada. Meu quarto era o único que tinha acesso para o jardim dos fundos, com uma escada que seguia em forma de espiral. O senhor continuava cuidando das rosas, concentrado do que fazia. Volta e meia olhava para mim e sorria, até que resolvi descer. Entrei, coloquei um jeans escuro e uma camiseta preta do Evanescence, uma de minhas bandas preferidas, e coloquei um casaco de moletom também preto. Desci as escadas lentamente e cheguei ao jardim.  
- Olá – falei, enrolando os fones de ouvido no celular e colocando no bolso do casaco. – Atrapalho?
- Olá, querida! – ele disse, virando-se para poder me olhar. – E é claro que não atrapalha. Sou Brandly, o jardineiro.
- Me chamo Megan – sorri. – Sou filha do...
- Edward... sim sim, ele havia me falado sobre você – ele disse. Puxou um pequeno banquinho que havia ao lado dele. – Venha, sente-se aqui comigo, querida.
 Sentei-me ao lado dele e toquei uma das rosas vermelhas. O aroma chegou rapidamente até mim, e então fechei os olhos, apreciando.
- Gosta de rosas, Senhorita Davies? – ele sorriu, voltando ao trabalho.
- Megan, Brandly. Somente Megan – falei. Em seguida, finalizei: - E sim, eu gosto. Adoro, pra ser mais exata. Não sei muito a respeito, porém elas me fascinam – suspirei. – Mamãe costumava deixar rosas ao lado da minha cama toda noite, desde que eu era bebê.
- Senhora Christine? – ele perguntou.
- Não! – respondi. – Christine não é minha mãe. Ela só atrapalha a minha vida – nós dois rimos. – Minha mãe faleceu há quatro anos.
- Sinto muito... – ele me confortou.
- Tudo bem – falei. – Já faz um bom tempo.
- Bom... não querendo que você vá embora... – ele disse. – Mas eu sei de um lugar que você provavelmente gostaria, querida.
- Ah, é? – perguntei, interessada.
- Sim – ele respondeu. – Mas eu não poderei lhe acompanhar. Bom... É por ali – ele apontou para um pequeno portão. – Apenas siga por entre as árvores.
- Obrigada – falei, levantando-me. – Até logo!
- Até logo – ele disse. – Bom passeio!
Sussurrei um “obrigada” e andei em direção ao pequeno portão. Ele era parecido com o da entrada, e estava sem nenhum cadeado. Abri-o. O caminho era longo, uma rua estreita com uma cerca de árvores dos dois lados. Os galhos das árvores curvavam-se, formando então meio que um túnel. Segui por aquele caminho por um tempo, até chegar no lugar mais lindo que eu provavelmente vira. Um enorme campo cercado por arame farpado, algumas árvores e a grama bem aparada. Mais a direita, perto da cerca, um pequeno lago com alguns patos. Do outro lado da cerca, havia alguém. Só consegui ver melhor quando me aproximei. Alta, cabelos negros que caíam até um pouco abaixo dos ombros, corpo bem definido, belas pernas. Fiquei analisando-a por um tempo, até que ela olhou para trás.
- Ah, existe alguém vivo por aí – ela falou, sorrindo um pouco.
- Mas eu não estou viva – falei, dando de ombros. – Búh.
 Ela riu e virou os olhos.
- Me chamo Alyson – ela deixou a mão parada no ar.
- Megan – segurei sua mão por uns segundos, soltando-a logo em seguida.
- Se mudaram pra cá? – perguntou, apagando o cigarro na grama.
- Uhum – respondi, colocando as mãos no bolso. – Chegamos faz pouco tempo.
- É, vocês tem uma bela casa – ela disse. Podia-se ver parte da casa dali.
- É grande demais – semi-cerrei os olhos, olhando para trás.
- Huh – ela riu.
- Que foi? – perguntei, rindo um pouco.
- Parece ser ‘mimadinha’ – ela falou.
- E você, quem é? – olhei-a, incrédula.
- Calma aí, esquentadinha – ela disse, apoiando-se na cerca. – Sou sua vizinha. Moro aqui ao lado.
 Ela apontou para o outro lado do muro branco. Pude ver parte de uma casa verde e uma janela preta.
- Vizinha – sorri. – Idade?
- Dezoito no mês que vem – ela falou, e olhou-me dos pés a cabeça. – E você... criança? – deu um riso abafado.
- Dezesseis – falei, desinteressada, tirando o celular do bolso para ver as horas. Uma chamada perdida: Edward. – Ah, um minuto.
 Virei e dei alguns passos enquanto retornava a ligação.
- Pa... – ele me interrompeu. – Tudo bem, eu só vim dar uma volta. Ah, eu tô aqui no lago. Vem cá, você ganhou na loteria, foi? Hahahaha. Tá, Edward, já tô indo. Tchau.
 Voltei-me para ela.
- Era meu pai – falei.
- O grande proprietário – ela falou, num tom divertido.
- É – sorri. – Bom, eu vou indo... Eles precisam de mim pra algo que eu não sei o que é.
- Ah, sim, entendo – ela disse. – Família é sempre assim.
- Eu que sei – ri baixo. – Enfim. A gente se esbarra, Alyson. Até mais.
- Até mais, Megan – ela disse, acenando. – Tenha uma boa tarde.
- Você também! – gritei enquanto corria até o portão.


Capítulo 2.



O sol batia forte no meu rosto. Maria, a empregada, havia entrado para abrir as cortinas.
- Podia ter batido na porta – resmunguei, colocando a mão na frente dos olhos para protegê-los da luz.
- Já são dez horas, senhorita – ela falou, toda formal. – Sr. Edward pediu para que eu viesse e fizesse isso. Só estou cumprindo ordens.
- Ah, tá, então você já cumpriu as tais ordens – levantei meio corpo, apoiando-me nos cotovelos. – Pode sair do meu quarto agora.
 Ela não disse nada, apenas saiu.
- Ninguém merece... – sussurrei, deitando-me novamente. Logo, meu celular tocou. – Alô – respondi, com voz sonolenta e um mau-humor do cão.
- Acorde, filha, o café está delicioso – Edward disse, com um tom irônico.
- Vai pra puta que o pariu, Edward – desliguei na cara dele. Afundei meu rosto no travesseiro, e após alguns segundos decidi que era melhor não resistir. Levantei-me e fui até o guarda roupa. Ao abri-lo, soltei um grito abafado. Ele estava impecavelmente arrumado.
- Maria – sussurrei e virei os olhos. Peguei uma calça jeans larga preta, a primeira da segunda pilha de calças. Joguei-a em cima da cama enquanto me dirigia às impecáveis pilhas de camisetas. Mangas curtas, depois as compridas, depois as de lã, depois os casacos, depois os moletons. Tudo organizado por cor. Analisei e escolhi rapidamente uma blusa segunda pele cinza e uma preta de algodão. Joguei-as em cima da cama, e peguei o moletom preto grande. Troquei de roupa rapidamente, vestindo também meu All Star preto original. O grande espelho que cobria quase toda a parede ao lado do guarda roupa me mostrava algo que eu não conseguia acreditar havia mais ou menos um ou dois anos. Os cabelos castanho-escuros caíam em ondas até um pouco abaixo do ombro, e a facilidade que eu tinha para arrumá-los era incrível. Os olhos, também castanhos, entravam em contraste com a pele morena do meu rosto. O nariz fino era meio levantado, e a boca formava uma linha média, os lábios carnudos e rosados. O moletom descia até o meio das coxas, então o ergui para poder ver melhor. A calça ajustava-se bem ao meu corpo. Os quadris não tão largos e as coxas grossas. Os seios fartos, considerados meio que demais para a minha idade. Era difícil acreditar que garota que usava óculos, aparelho ortodôntico e tinha cabelos indefinidos fosse se tornar uma mulher tão linda quando eu era. É, ainda bem que sou modesta. Mas entendi que puxei a beleza da mamãe. Ela era linda, parecida comigo, só alguns detalhes aqui e ali eram diferentes. E a inteligência de Edward. Por mais que eu odiasse admitir, aquele homem era um gênio.  
 Meu celular tocou novamente. Era Edward, então nem me dei ao trabalho de atender. Desliguei a chamada, peguei meus fones de ouvido e desci.
 Todos já estavam sentados à mesa, só havia um lugar vazio, o que eu imaginava ser o meu.
- A Bela Adormecida se atrasou? – Luce provocou, enquanto colocava um pedaço de mamão na boca.
- Cala a boca se quiser continuar com todos os seus dentes – falei, sem olhar pra ela.
- Mau-humorada hoje, filha? – Edward perguntou, bebendo um gole do seu café logo em seguida.
- Pergunta pra Maria – falei, irônica.
- Desculpa, querida – ele justificou-se. – Sabe que nunca fui bom com isso.
- É, sou obrigada a concordar. Você nunca foi bom com o cargo “pai” – falei, enquanto dava um beijo na testa de Andynne.
- Você não devia falar assim com o seu pai, Megan – Christine disse com aquele ar de superior que eu odiava. Aliás, o que é que eu não odiava nela?
- E você não deveria estar falando comigo – dei um sorriso irônico. Ela fechou a cara, todos ficaram em silêncio. Após alguns segundos, levantei-me da cadeira, peguei algumas torradas e tomei uns goles de suco. Quando me virei em direção a porta, Edward perguntou:
- Onde vai, Megan?
- Qualquer lugar – falei. – Não quero estragar o café da manhã em família.
- Está muito frio lá fora, Megg – Andynne falou, preocupada.
- Estou bem agasalhada, meu anjo – sorri para ela e saí, antes que alguém pudesse intervir. Primeiro pensei em ir de volta ao lago, mas eu estava com uma vontade estranhamente incontrolável de ver a Alyson. E isso era estranho, pois eu havia conhecido a garota apenas algumas horas atrás. Mas enfim, afastei o pensamento. Quando eu estava colocando os fones de ouvido, ouvi alguém me chamar.
- Christine, eu já falei... – comecei, mas fui interrompida.
- Christine? Meu nome não é esse.
 A voz ligeiramente grave se dirigiu a mim. Me virei para olhá-la.
- Desculpe, Alyson – sorri. – Tive um desentendimento com a família hoje de manhã.
- Logo na primeira manhã na casa nova? – ela perguntou, pondo-se a andar do meu lado.
- É, pelo jeito vai virar rotina – falei, enrolando o fio do fone nos meus dedos. – Vou me acostumar a tomar café da manhã enquanto faço minha caminhada matinal.
- Ah, que isso – ela disse, passando o braço pelos meus ombros e me apertando num meio abraço. – Tem uma lanchonete ótima aqui perto, e ela abre bem cedo.
 Sorri. Ela sorriu em resposta e começou a correr, comigo acompanhando-a.

*  *  *

- A comida daqui é realmente ótima – falei, enquanto bebia um gole do Capuccino que eu havia pedido. Pedimos um pão de queijo com mel e panquecas. Ela estava tomando chocolate quente. E o lugar era realmente aconchegante. As mesas eram vermelhas – mas não um vermelho escuro, era um tom mais claro. Os bancos marrons de couro dos dois lados da mesa ofereciam dois lugares cada um. Alyson e eu estávamos de frente uma para outra, tomando nosso café.
- Façamos assim – ela começou, ajeitando-se na cadeira. – Toda manhã que você não quiser tomar café com a família, vai até a minha casa e a gente vem pra cá. Fechado?
- Ah, Alyson, você não deveria se preocupar comigo – falei. – Além do mais... acho que serão muitas manhãs aqui.
 Ela riu, e eu também.
- Não me importa – ela deu de ombros. – Gosto da sua companhia. E a situação lá em casa também não é das melhores.
- É? – falei, mordendo um pedaço do pão de queijo.
- Uhum – ela disse. – Já tá até virando rotina vir pra cá. De qualquer maneira, prefiro o Tennessee’s do que o clima que eles deixam lá em casa.
- Sei bem como é – falei, olhando para baixo.
- Então, falemos sobre outras coisas – ela começou. – Já sabe onde vai estudar?
- No centro, acho – falei de má vontade.
- É perto – ela disse. – De qualquer maneira, quando precisar de uma carona, já sabe... É só pedir.
 Sorrimos.

Assim que terminamos de comer, fomos dar uma caminhada. Alyson disse que queria me mostrar o bairro, e eu concordei.
- Me fala sobre a sua mãe – ela disse, enquanto andávamos. Chutei uma pedra e fiquei em silêncio por alguns segundos.
- Ela era linda – falei, olhando para o chão. Senti o olhar de Alyson no meu rosto.
- Parecida com você, então – Alyson disse. Senti meu rosto ruborizar. – Desculpe.
- Tudo bem, Alyson – sorri. – É... dizem que sou realmente parecida com ela.
- Eles se separaram? – Alyson perguntou.
- Não... – respondi. – Ela morreu pouco antes de eu completar onze anos.
- Ah, droga! – ela exclamou. – Sinto muito, Megan.
- Tá tudo bem – falei e ri baixo, sem emoção. – Já passou um bom tempo.
- Ahm... vocês eram bem apegadas uma a outra? – perguntou.
- Bastante – falei. – Lembro-me que ela cantava para eu dormir, sem exceção de uma noite. Quando eu tinha oito anos, Edward brigou feio com ela, dizendo que eu era grande demais pra esse tipo de coisa e que ela me mimava muito – ri baixo.
- E ela? – Alyson disse.
- Ela falou que eu seria a sua eterna garotinha – respondi sorrindo, mais para mim mesma do que para Alyson. – E ela continuou cantando para mim todas as noites. Eu adorava a proximidade que ela tinha comigo. Lembro-me que ela me levava no parque todas as tardes de domingo, e me empurrava no balanço. Eu pedia pra ela empurrar mais alto e mais alto, porque eu queria conseguir tocar as nuvens. Uma vez, uma garotinha disse pra mim que eu nunca iria poder tocar nas nuvens, porque elas estavam longe demais, e que eu era uma tola por acreditar que um dia conseguiria chegar até elas. Comecei a chorar e fui correndo até a minha mãe, dizendo que meu sonho tinha sido destruído. Ela me envolveu em seus braços e disse que eu não devia dar importância ao que a garota disse, porque um dia eu seria uma grande garota. Tão grande que iria conseguir encostar nas nuvens sem nem ficar nas pontas dos pés.
 Alyson sorriu.
- Ela tinha câncer. Começou no estômago, depois ocorreu uma metástase. Todos nós sabíamos que ela não iria resistir a isso. Pouco antes da sua última cirurgia, ela pediu para que me deixassem passar um dia com ela. Os médicos relutaram, mas acabaram por permitir. – fiz uma pausa para limpar a garganta. – Naquele dia, ela me lembrou do que ela havia me falado sobre as nuvens. Lembro até hoje do som fraco da sua voz. “Você deve ser forte daqui pra frente, querida. Eu sei que prometi que estaria aqui para sempre... mas não será possível. Então, mantenha-se em pé, está bem? Eu não vou poder estar aqui quando você conseguir tocar as nuvens. Mas eu estarei lá em cima olhando por você”. E eu entendi o que ela queria dizer. Ela é como as nuvens, Alyson. Eu ainda não posso tocá-las, mas sei que elas estarão lá para sempre. E se alguma tempestade chegar, eu tenho que ser forte para poder ver as nuvens novamente.
- Sua mãe é como as nuvens – Alyson sussurrou.
- Eu não posso tocá-la, mas sei que ela sempre vai estar me olhando – falei.
 Ficamos alguns minutos em silêncio, e ouvi alguém fungar.
- Desculpa – Alyson disse quando olhei-a.
- Droga, Alyson! – exclamei. – Vem cá, não chora – puxei-a para um abraço. Ela me abraçou forte, e eu fiz o mesmo. – Desculpa.
- Tudo bem – ela disse. – Eu que sou uma manteiga derretida.
 Nós duas rimos. Afastei-me dela e olhei em seus olhos. Sorri para ela, que logo sorriu em resposta. Alyson era um pouco mais alta do que eu, os olhos castanhos penetrantes e convidativos. As sobrancelhas eram bem desenhadas, e o nariz era fino, naturalmente longo. A pele branca era um ótimo abrigo para a linha de tamanho padrão que seus lábios rosados traçavam em seu rosto. Seu sorriso era largo, cativante, chamativo. A força que Alyson exercia sobre mim era algo completamente estranho. Eu nunca tive tanta vontade de decifrar alguém quanto eu tinha com ela. Eu tinha vontade de mantê-la comigo para sempre, até descobrir todos os seus segredos.
- Megg... – ela começou. – Você tá me deixando sem graça.
- Ah, droga, desculpa – olhei para o lado e escondi o rosto nas mãos. – Me perdi em pensamentos, foi mal.
- Que pensamentos? – ela perguntou, encarando-me. Olhei para baixo e logo ergui os olhos para olhá-la.
- Você não ia querer saber – falei.
- O que te faz ter tanta certeza? – ela perguntou, me desafiando.
 Dei um meio sorriso.
- Que logo vai começar a chover – me afastei um pouco. – Acho melhor a gente voltar pra casa.
- Ah, claro – ela disse e abriu um largo sorriso. – Sabia que você é muito engraçadinha, senhorita Davies?
- Sabia que você é muito metida a sabe-tudo, senhorita Harris? – dei uma piscadela. – Agora vamos parar de conversa fiada, não tô afim de me molhar.
- Quem chegar por último vai ter que beijar um sapo – ela falou, começando a correr.
- Aaaaargh!! – falei, enquanto corria.
  
*  *  *

Meu celular tocou.
- Alô? – atendi.
- Posso saber onde e com quem você está, Megan Eliott Davies?” – a voz de Edward se mostrava irritada do outro lado da linha.
- Já tô chegando, Edward. Nem esquenta – desliguei.
- Seu pai? – Alyson perguntou, olhando-me.
- Uhum, ele mesmo – falei. – Queria saber onde e com quem eu estava.
- Ah, droga. Você não disse pra ele que está com uma mulher que come criancinhas, certo? – ela disse em tom divertido, me cutucando.
- Me chama de criança de novo, garota – falei, encarando-a. – Mas depois não reclama quando ficar com um olho roxo.
- Auch, isso foi uma ameaça? – ela perguntou, fingindo cara de medo.
- Não sei. Entenda como quiser – dei de ombros. Só então ela percebeu que eu estava realmente brava.
- Desculpa, Megg – ela se aproximou de mim. Permaneci olhando para o outro lado. – Megg? – ela falou, com voz doce. Não olhei-a. Ela colocou sua mão em meu queixo e virou meu rosto. – Meggy, desculpa – ela disse, olhando em meus olhos. – Prometo que vou parar com isso.
- Promete? – falei.
- Prometo – ela disse. É só... tão irresistível te ver bravinha.
- Idiota! – bati de leve no ombro dela, rindo. Ela riu também.

- Já está em casa, senhorita – ela disse, assim que chegamos à minha casa. – Sã e salva.
- Ahn, você não quer entrar, Alyson? – olhei-a com cara de cachorro que caiu da mudança e ficou molhado de chuva.
- Tá com medo da bronca, né? – ela riu.
- Mais ou menos isso – falei. – E ah, hoje é domingo. Eu queria... passar o dia com você... sei lá.
- Awn, veja só! – ela disse. – Tudo bem, tudo bem... eu confesso que adorei esse tempo que a gente passou juntas.
- Viu? – sorri e mordi o lábio inferior.
 Ela sorriu também.
- Mas eu preciso trocar de roupa antes – ela disse. – Eu... apareço daqui a uns vinte minutos. Pode ser?
- Claro – continuei sorrindo. – A gente se fala, Aly.
- Até logo, Megg – ela sorriu e correu até em casa.

 Quando entrei, vi que Edward estava sentado em um dos sofás, de costas para a porta.
- Onde estava? – ele perguntou, sem olhar pra mim.
- Como se você se preocupasse – falei.
- Eu me preocupo! – ele se levantou. – E a situação de hoje de manhã, Megan? Você anda mal educada demais pro meu gosto!
- E desde quando eu me importo com o que você pensa ou deixa de pensar? – encarei-o.
- Pois devia! – ele gritou.
- Olha aqui, Edward! – gritei em resposta. – Não começa a gritar comigo, ok? Você não é meu pai Edward, e sabe muito bem disso! Depois que a Christine entrou nessa família, a maldita paternidade sumiu! Você só se lembra que tem uma filha quando quer cobrar algo de alguém, ou quando quer alguém pra descontar os seus malditos problemas! Só vou te dizer, Edward Davies... eu não agüento mais! Simplesmente não agüento.
- Mas, Megan! – ele disse, agora mais calmo, e seus olhos começando a se encher de água. – Me desculpe, querida. Eu te amo, Megg, você sabe... e eu sempre irei te amar, filha. Mas a morte da sua mãe...
- Não coloca a culpa na morte da mamãe, pai – falei, chorando. – Por favor, não faz isso.
- Mas filha...
- Não, Edward, não! – interrompi-o. – Eu superei a morte da mamãe, e eu tive que te levar nas costas praticamente! Como você acha que eu me sentia quando você chegava bêbado em casa e colocava a culpa de tudo em mim?! Eu tinha só onze anos, Edward, só onze anos!
 Ele ficou em silêncio apenas olhando-me, o arrependimento visível na sua expressão. Não consegui ficar ali por muito tempo, então subi correndo as escadas. Encontrei Andynne.
- O que houve? – ela perguntou, preocupada.
- Nada, Andynne, nada – respondi, subindo mais alguns degraus. Virei para ela e disse: - Uma amiga minha vai vir aqui. Espere-a e diga para ela subir até meu quarto, Andy. Pode ser?
- Claro, Megg, claro – ela sorriu, me confortando. Sorri em resposta e corri até meu quarto, batendo a porta e me jogando na cama. Fiquei deitada por alguns minutos até ouvir duas batidas na porta.
- Entra – falei, sem levantar da cama.
- Megg? Tá tudo bem? – Alyson disse, e correu até a minha cama, sentando-se do meu lado. – O que houve? – ela perguntou, tirando os fios de cabelo que caíam em meu rosto.
- Nada de mais – falei, sentando-me na cama e limpando as lágrimas do meu rosto.
- Eu te conheci ontem, mas sei que você é uma garota forte. Você não ia chorar por qualquer coisa – ela disse, colocando a mão direita no meu rosto.
- É aí que você se engana – eu falei. – Quando eu tô sozinha, ninguém me ouve chorar.
 Ela olhou para mim e me abraçou. Abracei-a também, enquanto sentia mais lágrimas caindo em meu rosto.
 Abraçar Alyson me oferecia uma das melhores sensações do mundo. A sensação de se sentir protegida, se sentir amada. Quando ela me abraçou, tudo o que eu quis foi esquecer do mundo e permanecer daquela maneira para sempre. Permanecer protegida nos braços dela.


Capítulo 3.


- Senhorita Megan? – Maria disse, abrindo um pouco a porta.
- Megg – Alyson passou a mão me meu rosto, visando me despertar.
- Oi... – sussurrei, sem abrir os olhos.
- Seu pai pediu para que eu trouxesse algo para vocês comerem – Maria disse, entrando no quarto. Abri os olhos e vi que ela trazia uma bandeja com dois sanduíches e suco, aparentemente, de laranja.
- Ótimo... Alyson, você deve estar com fome – falei, levantando-me devagar.
- Eu estou bem – ela disse, ajeitando-se na cama. – Mas é melhor você comer algo. Muito obrigada, Maria. Cuido dela daqui em diante.
 Maria saiu, em silêncio, do meu quarto e fechou a porta.
- Obrigada – falei, passando a mão nos meus cabelos, que por sinal estavam horríveis. – Deus, eu devo estar horrível!
- Errado, você está linda – ela sorria enquanto colocava um pouco de suco em um dos copos. Pegou o copo e o prato com o sanduíche e levou até mim. – E você não precisa agradecer, de qualquer maneira.
- Preciso sim – falei, fazendo bico. Ela riu e sentou-se ao meu lado.
- Se eu tô aqui é porque eu quero, Megg – ela sorriu e tocou meu rosto. – E porque é agradável estar em sua companhia.
 Dei uma gargalhada alta.
- Mesmo eu sendo chata e dramática como fui hoje? – falei, bebendo um gole de suco.
- Mesmo você sendo chata e dramática como foi hoje – ela falou, dando uma mordida no sanduíche.
- Alyson! – falei e bati de leve no ombro dela. Ela riu, e eu acabei rindo também. – Tudo bem, eu mereço... E desculpe por ter dormido. E você ter perdido o almoço.
- Tá tudo bem, garota – ela disse. – Adorei ver você dormir. Quero fazer mais vezes.
- Aham, tá bom – falei, rindo.
- Eu tô falando sério – ela olhou pra mim, séria.
- O que você acha da gente ir para o lago? – mudei de assunto rapidamente, sentindo-me ruborizar. Então era isso. Ou Alyson estava flertando, ou eu estava ficando louca. Ela sorriu e balançou a cabeça em sinal positivo. Terminamos de comer, fui até o banheiro trocar de roupa e voltei ao quarto. Coloquei um jeans cinza, uma blusa de lã preta e um casaco leve. Ela usava jeans também escura, camisa preta de algodão e uma camiseta xadrez cinza por cima.  


- Esse lugar é incrível – ela disse, assim que chegamos.
- É... – concordei, olhando para o campo. O vento estava forte, fazendo com que os galhos das árvores se balançassem fortemente. Alyson andava calmamente ao meu lado, encostando-se a mim vez ou outra. Eu mantive minhas mãos dentro dos bolsos do casaco, e apenas sorria e concordava com ela.
- Eu nunca estive desse lado da cerca – ela disse, olhando ao redor.
- Nunca? – olhei-a, franzindo o cenho.
- É... – ela disse, e suspirou. – Os antigos proprietários não gostavam quando alguém visitava esse lugar. Eu vinha quase todo o dia pra ficar aqui... mas eles vigiavam, então eu nem ousava atravessar a cerca – ela riu baixo.
- Nossa – falei, rindo. – Agora você pode vir aqui todo dia, se quiser. Eu deixo.
Ela riu.
- Todo dia? – olhou para mim, sorrindo, com os olhos brilhando.
- Todo dia – respondi. Uma onda de vento gelado passou por meu rosto. – Brrr, que frio! – exclamei.
- Vem cá, a gente já dá um jeito nisso – ela me puxou para ela, envolvendo-me em seus braços. Tirei minhas mãos dos bolsos e passei meus braços em volta de sua cintura por dentro da camisa xadrez, apertando-a forte. Encaixei minha cabeça em seu pescoço, escondendo meu rosto nos seus cabelos macios. Respirei fundo, inalando aquele maravilhoso perfume que ela usava. Ela tremeu.
- Desculpe – sussurrei, de olhos fechados.
- Tudo bem – ela sussurrou no meu ouvido, levando uma de suas mãos até a minha cabeça, acariciando meus cabelos. Afastei-me um pouco, de modo que pudesse olhar pra ela. Ela sorriu para mim e tocou meus lábios com o polegar, colocando a mão direita em meu rosto. Fechei os olhos por um segundo, e suspirei pesado.
- Vem, vamos andar um pouco – falei, interrompendo o momento. Afastei-me dela, andando rápido. Senti que ela me seguia.   

* * *


Alyson alcançou meus passos, e andava em silêncio ao meu lado. Vez ou outra eu a olhava, e ela estava sempre me analisando. Sentia seu olhar em mim a todo o momento, exceto quando ela fechava os olhos e respirava fundo. É, eu também estava prestando atenção nela. Alyson me deixara confusa depois daquelas... indiretas diretas. E eu sabia o que eu queria. Eu a queria.
- Vamos sentar aqui? – sugeriu, apontando para uma das árvores perto do lago.
- Uhum – respondi, indo até lá. Sentei-me no chão e encostei-me no tronco da árvore; Alyson fez o mesmo.
- Então... – ela começou. – Deixou alguém em Hunter?
- Muita gente – respondi, rindo baixo.
- Ah, Megan! – ela virou os olhos, rindo. – Você me entendeu.
- Não – falei. – Mais ou menos...
- Existe um “mais ou menos” pra esse tipo de situação? – perguntou, franzindo o cenho.
- É... acho que sim – respondi, pensativa. – Enfim. Er...
 Respirei fundo e fechei os olhos. Pude sentir que ela continuava me olhando.
- Lily... – comecei, me divertindo com a preocupação dela. – Lily é muito especial pra mim.
- Ahn... – ela resmungou.
- Ela é especial demais, até – falei, olhando-a. Ela olhou rapidamente para mim e logo olhou para o chão. – Ela é minha melhor amiga – finalizei, com um sorriso ‘malandro’.
- Ah! – ele respirou fundo. – Garota, você... – ela fechou os olhos e levou as mãos até a cabeça.
- Eu o que? – perguntei, rindo.
- Cuidado – ela disse, agora com um meio sorriso.
- Ah, é? – ri, nervosa. – Cuidado com o que?
- Com as pessoas – ela respondeu, mexendo na terra com um graveto. – É fácil de alguém se apaixonar por você.
- Duvido! – exclamei.
- Mas eu tô falando sério, Megg – ela disse, dando de ombros.
- E porque você pensa isso? – olhei-a, enquanto eu ajeitava minhas pernas, abraçando os joelhos.
- Bom... – ela iniciou, sem olhar para mim, ainda mexendo na terra com o graveto. – Você é linda... isso é um fato.
 Senti-me ruborizar, então abaixei um pouco a cabeça, olhando de canto para ela.
- E... A fala mansa reflete o interior que é facilmente comparado ao oceano: tem suas tormentas e calmarias, e acima de tudo, encantadores mistérios – ela continuou, e ergueu a cabeça para me olhar. – Tais mistérios que acabam atraindo as pessoas como um ímã.
- Droga, Aly... – falei, os olhos já embaçados pelas lágrimas. – Awn.
- Desculpa – ela disse, tocando meu rosto e secando uma das lágrimas que acabara por cair. – Só fui sincera a respeito do que você me perguntou.
- Eu sei – sorri, colocando minha mão por sobre a dela, que continuava no meu rosto. – Obrigada – sussurrei.
 Ela apenas sorriu, e voltou a mexer na terra com o graveto. Agora ela escrevia algo, mas eu não conseguia ver direito.
- Pois bem – falei. – Quem você acha que poderia se apaixonar por mim?
- Alguém bem próximo de você – ela disse e sorriu, sem olhar para mim.
- Não tenho amigos aqui – cruzei os braços.
- Obrigada pela parte que me toca – ela disse, séria.
- Aly! – falei, jogando meus braços em volta de seu pescoço. – Você entendeu. Eu disse que eu não tenho “amigos” – repeti, dando ênfase no “o”.
- E precisa ser um “amigo”? – ela disse, imitando meu jeito de falar a última palavra.
- Aí você me pegou – respondi, dando de ombros. Em seguida, mordi o lábio. – Não sei se eu sou lésbica, se é onde você está querendo chegar.
- Não era aí, mas essa informação me pode ser útil – ela disse e olhou pra mim, sorrindo. – Mas... como assim “não sabe”?
- Nunca fiquei com uma garota, oras – respondi, olhando para o chão. Voltei a olhar para ela. – Nunca havia sentido nada por garotas. Quer dizer... ah, tá, uma vez. Mas não foi sério.
- Hum – ela disse e respirou fundo.
- E você? – perguntei.
- Junte as informações até chegar à sua resposta – ela falou, sorrindo.
- Eu tava tentando me fazer de boba, poxa – fiz biquinho.
 Sem dizer nada, ela apenas se colocou de joelhos e aproximou seu rosto do meu. Levou uma de suas mãos até meu rosto, a outra repousando em minha cintura. Instintivamente, joguei meus braços em volta de seu pescoço, entrelaçando meus dedos no seu cabelo. Ela se aproximou lentamente, olhando fixamente dentro dos meus olhos. Vez ou outra abaixa os olhos para a minha boca, mas logo os voltava para os meus olhos. Eu permaneci apenas acariciando seus cabelos com um das minhas mãos, a outra agora estava em seu ombro. Ela levou sua mão até minha nuca, e me puxou delicadamente, aproximando mais o meu corpo do seu. Eu já podia sentir a sua respiração quente e rápida no meu rosto, seus lábios próximos demais... Quando o grito agudo de Andynne correu pelo vazio no campo.
- Droga – falei, levantando-me rapidamente. Andynne corria até mim. Quando ela se aproximou, percebi que estava chorando. – O que houve? – perguntei, abraçando-a.
- Papai – ela disse, entre soluços. –Ela teve um ataque do coração, Megg! – ela exclamou.
- O quê?! – quase gritei.
- Não pergunte, Megg – Alyson disse, colocando a mão em minhas costas e puxando a mim e a Andynne. – Onde ele está? – perguntou.
- Lá em casa – Andy soluçou.
 Alyson começou a correr. Sem saber como agir, apenas corri junto com as duas, até chegar em casa.

* * *

 Alyson pegou o carro e levou-nos até o hospital.
- Foi um susto dos grandes – o médico disse, assim que apareceu na sala de espera. – Mas agora está tudo sob controle.
- Ótimo – sussurrei. – Ele vai poder ir pra casa, Dr.?
- É melhor que fique aqui no hospital, Senhorita Davies – ele falou, olhando para a prancheta. – Até ele se recuperar completamente. Levará no mínimo dois dias. Seu pai parece ter uma saúde de ferro.
- Ele é um homem forte – Andy sussurrou.
- É sim – Dr. Swan sorriu para ela. – Querem vê-lo?
- Andy, vá ver o papai – falei, ajudando-a a levantar. – Se ele estiver acordado, diga que mandei um beijo.
- Você não vem? – ela disse, olhando para mim.
- Não, querida – respondi. – Vá vê-lo por mim – tentei sorrir.
- Tá... – ela disse, e acompanhou o médico pelo corredor. O hospital era, como de costume, todo branco. Os corredores davam um ar de Paraíso, o que era bom. Aconchegante. Todos os que passavam ali, vestidos de branco, andavam apressados. Médicos, enfermeiros, internos, estagiários. Na sala de espera, sentadas nos sofás também brancos, estavam pessoas que provavelmente já estavam ali há dias. Alguns com as expressões cheias de preocupação, outros com sorrisos carregados de felicidades. Alguns perdendo parte de sua família, outros ganhando.
- Tudo bem? – Alyson disse, me tirando dos pensamentos.
- Ah, tudo sim – respondi, olhando-a. Ela sorriu, o que me fez sorrir automaticamente.
- Quer comer algo? – perguntou.
- Acho que não – falei, respirando fundo.
- Venha, vamos comprar algo pra comer – ela me puxou.

- Quer um café também? – ela perguntou, com os sanduíches naturais em mãos. Não respondi. – Um café – ouvi ela sussurrar para a atendente.
 Depois que ela pegou tudo, sentamos em uma das mesas.
- Foi uma grande preocupação – ela disse, entregando-me o café e o sanduíche.
- Foi – eu disse, pegando o café e agradecendo.
 Ficamos uns segundos em silêncio.
- Eu já sabia que isso podia acontecer – sussurrei.
- Sabia? – ela perguntou.
- Sabia – respondi, olhando para o copo. – Há um tempo atrás ele vem tendo umas dores fortes no peito. Ele contou para mim porque tinha que compartilhar com alguém, mas não quis preocupar Christine e nenhuma das filhas dele.
- Você é filha dele, Megan – ela disse, olhando-me. Eu apenas ri baixo.
- De qualquer maneira... eu podia ter evitado.
- Ele podia ter evitado – ela falou, puxando minha mão e segurando-a. – Só ele podia ter evitado, Megan. Pare de se culpar. E agora, bom... está tudo bem, não? Ele está bem novamente.
 Suspirei. Terminamos de comer em silêncio, rapidamente, e voltamos para a sala de espera.
- Alyson – segurei em seu braço, antes de ela sentar. Ela parou a minha frente. – Desculpe-me por hoje.  
 Ela me abraçou.
- Não tem do que se desculpar, querida – sussurrou em meu ouvido. – Até porque teremos mais oportunidades como aquela.
- Teremos? – falei, rindo baixo.
- Se você quiser, sim – ela disse. Pela sua voz, pude ver que ela sorria.
- Eu quero – sussurrei em resposta, apertando meus braços a sua volta.  

*Esse é pra minha garota. 


Capítulo 4.

Alyson recebeu uma ligação. Seu pai dizia que ela teria que viajar para uma cidade vizinha, porque seu irmão estava gravemente doente.
-  Você tem um irmão? – perguntei, logo que ela me contou o motivo.
- Mais novo – ela respondeu, enquanto arrumava a pequena mala. – Mas é só por parte de pai. Quase nunca nos falamos. Ele deve ter uns... cinco ou seis anos, eu acho.
- Então porque seu pai não vai? – franzi o cenho.
- Meu pai tem medo que o garoto morra na frente dele – ela disse indiferente, ao acrescentar mais umas roupas à mala e fechar o zíper da mesma.
- Então ele vai mesmo morrer? – indaguei, me encolhendo dentro do casaco.
- Jeremy foi um garoto forte – ela parou, pensativa. – Mas agora já não há mais nada a ser feito.
- O que ele tem? – me interessei.
- Ele nasceu com um sério problema no coração – falou, sentando-se na cama. – Os médicos ficaram surpresos que ele tenha chegado até essa idade. Mas o coração dele já não funciona nem perto de um “normalmente”. E não conseguiram achar um coração novo.
- Sinto muito – sussurrei.
- Tá tudo bem – ela falou baixo, e me olhou. – Bom... agora eu tenho que ir.
- Te acompanho até o carro – disse.
 Ela sorriu, pegou a mala e me puxou pela mão.
- Nos falamos – ela disse, assim que chegamos no carro.
- Nos falamos – repeti o que ela havia dito, sorrindo. Ela puxou-me pela cintura e deu-me um beijo na bochecha, próximo a boca. 
- Queria ficar com você enquanto seu pai está no hospital – ela sussurrou ao me abraçar forte.
- Não se preocupe comigo, Aly – falei, apertando-a em meu abraço. – Vá cuidar do seu irmão, eu fico bem até você voltar.
- Fica mesmo – ela piscou pra mim. Abri um sorriso largo, e ela também.
- Boa viagem – desejei, enquanto ela se afastava.
- Fique bem – ela gritou, ligando o carro e dando a partida. Quando o carro desapareceu na curva, eu suspirei e entrei.

 A casa de Alyson era grande, também. Devia haver mais ou menos seis quartos no segundo andar, as paredes brancas. A escada que descia em forma de espiral era contornada por um corrimão que dava à casa um ar de antiga. A sala de jantar, que ficava nos fundos, era enorme. Chão de madeira, como no resto da casa. Uma janela grande, com cortinas vermelhas, dava visão para o jardim ao fundo; que era muito bem cuidado, por sinal. Um tapete bege se estendia em parte do chão, tendo sobre ele uma mesa marrom escura de oito lugares. As cadeiras tinham um estofado florido, porém discreto, e em cima da mesa havia um candelabro de bronze com três velas brancas. Nas paredes aos lados, escrivaninhas do mesmo estilo da mesa principal, em cima delas fotos de família. No teto, um grande lustre dourado, e, ao fundo, uma lareira. A sala de estar, logo ao lado, mostrava antiguidades. Os sofás dourados sobre um tapete branco com flores azuis. Duas poltronas ao lado do sofá, e uma televisão não tão grande, não tão pequena. A casa era realmente aconchegante. Fui até a sala de jantar e comecei a abrir algumas gavetas, a procura de papel e caneta. Na terceira gaveta da primeira escrivaninha, havia uma foto que chamou minha atenção. Nela, Alyson abraçava uma garota. A menina tinha a pele naturalmente branca, algumas sardinhas douradas nas maçãs do rosto. O rosto fino era quase coberto por uma franja lateral, os cabelos curtos e ruivos. Ambas sorriam. Senti uma forte pontada de ciúmes ao ver aquilo. Joguei a foto no lugar e empurrei a gaveta, fazendo um forte barulho.
- Droga, Megan! – sussurrei para mim mesma. – Pare com isso, garota. Vocês se conheceram ontem, só.
 Fechei os olhos e balancei fortemente minha cabeça. Continuei minha procura até encontrar o que queria.
 Senhor Harris,” escrevi.

Alyson não conseguiu entrar em contato com o senhor antes de sair, então pediu para que eu lhe deixasse um bilhete; Ela falou que resolverá tudo a respeito de Jeremy, sejam lá quais forem as decisões a serem tomadas. Sua nova vizinha, Megan Davies.

Deixei o bilhete em cima da mesa, colocando a caneta sobre ele. Ao sair, apenas encostei a porta; Alyson dissera que ele não demoraria muito. E então, fui para casa.
Andy, Luce e Christine estavam no hospital, cuidando de Edward. Assim que cheguei em casa, me arrumei rapidamente para dormir. Afinal, já era tarde, a amanhã seria um longo – muito longo - dia.

* * *


Take me, I’m alive. Never was a girl with a wicked mind, and everything looks better when the sun goes do...
- Droga... Aula – sussurrei, desligando o celular. Demorei uns cinco minutos pra acordar direito, e então me levantei. Fui cambaleando até o chuveiro, peguei uma toalha dentro da cômoda e tomei um banho quente. Enrolei-me na toalha, e sequei meus cabelos. Ótimo, parte já estava pronto. Fui até o quarto topando em tudo o que aparecia na minha frente. Sentei na minha cama até acordar mais, e então levantei e respirei fundo.
- É, não vai adiantar resistir – disse, baixinho.
 Fui até o guarda roupa, e peguei algumas roupas pra escolher.
- Essa não, essa não, e essa também não – fui falando enquanto jogava as roupas em cima da cama. – Essa sim! – falei, assim que peguei em mãos minha blusa de lã preta. Joguei-a em cima da cama, coloquei um jeans escuro e calcei uma bota de cano longo sem salto bege. Vesti então a blusa de lã preta, jogando por cima um casaco bege de couro. Fiz um make básico; nunca fui de me arrumar muito. Preparei o caderno, as apostilas e desci para tomar o café. A mesa já estava posta; tomei o café rápido, escovei os dentes e saí. Lá fora, Brandly me esperava com a porta de trás do carro aberta.
- Bom dia, Megan – ele disse, sorrindo alegremente para mim.
- Bom dia, Brandly – repliquei, entrando no carro.
- Pronta para o primeiro dia? – perguntou assim que tomou o posto de motorista.
- Acho que sim – respondi, tremendo um pouco. Ele riu. – Qual é o nome do colégio mesmo?
- Bristol’s High School – ele disse. Assenti e sorri para ele.
 Durante todo o caminho, permaneci calada. Acho que Brandly percebeu algo, porque ele não parava de me olhar pelo espelho retrovisor.
- Que foi? – perguntei, seguido de um riso baixo.
- Você parece apaixonada – ele disse, sorrindo.
- Pareço, é? – falei.
- Sim – ele respondeu. – Seria alguém que atende pelo sobrenome “Harris”?
- O... o que? – gaguejei.
 Ele riu.
- Desculpe a intromissão – pediu, educadamente. – Mas eu sou um senhor de idade, e acho que vivi o suficiente pra saber que você está, sim, apaixonada por ela.
- Eu... não posso estar apaixonada por ela – suspirei.
- Porque? – ele perguntou, olhando-me de canto. – Porque ela é uma mulher?
- E também pelo fato de eu a conheci no sábado – falei, olhando para as minhas mãos.
- E isso é problema? – perguntou novamente.
- E não é? – repliquei.
- Não responda uma pergunta com outra pergunta – ele falou. – Todos nós temos dúvidas... e devemos esclarecê-las.
 Olhei-o.
- Alyson gosta de você – continuou a falar, parando o carro. – Conheço-a tem alguns anos, e há tempos não a via sorrir do jeito que ela sorri quando está com você. Posso ver nos olhos dela que algo está crescendo dentro do coração daquela garota – ele me encarou através do espelho. – E no seu também.
 Ficamos alguns segundos em silêncio, apenas nos olhando.  
- Bom, aqui é seu colégio – ele disse, tirando-me dos meus pensamentos. – Pense no que lhe falei.
- Sabia que você é um velho muito intrometido? – falei, sorri. Ele riu baixo. – Vou pensar prometo  disse, inclinando-me para frente e dando-lhe um beijinho no rosto. – Até depois Brandly.
- Estarei aqui às três horas – ele falou. – Tenha um bom primeiro dia de aula.
 Sussurrei um “obrigada” enquanto saía do carro. Fiquei parada por alguns segundos vendo o carro desaparecer na curva do asfalto, o vento passando por meu rosto e bagunçando meus cabelos. Brandly tinha razão. Eu sentia algo diferente quando estava com ela. Algo completamente diferente, que eu apenas não queria assumir para mim mesma. Um tipo de conforto que só ela me proporcionava. Conforto, proteção... parecia que eu a conhecia a anos. “Vidas passadas, talvez?” pensei. “Megan, pare com isso! Que droga” me repreendi, analisando o que eu tinha falado. Besteira, besteira, besteira. Ou... será que eu estava me apaixonando? Ou eu já estava apaixonada?

 Um barulho ensurdecedor, que mais podia ser comparado a um alarme do corpo de bombeiros, me tirou da espécie de transe em que eu me encontrava. Só então virei meu rosto para poder olhar. Um prédio enorme estava a minha frente, e acima de uma grande porta redonda, estava escrito em letras grandes e douradas: “Bristol’s High School”. O prédio, impecavelmente conservado, era de um bordô claro, algo bem aproximado do vermelho. Dois prédios menores juntavam-se logo a ambos os lados do prédio principal, as janelas brancas. “Vamos lá” pensei, desanimada. Sem me demorar mais, subi os poucos degraus que faziam o caminho até a grande porta de entrada e, ao ver que a porta estava trancada, fui até o interfone.
- Sim? – uma voz masculina meio rouca veio do outro lado da linha.
- Er... – tossi. – Megan Elliot Davies.
- Estávamos a sua espera – ele disse, e um ruído alto veio na porta. Fui até ela e empurrei-a, vendo que estava aberta. E o colégio era realmente enorme. Da porta de entrada, seguia-se um corredor longo, com algumas portas nas laterais. Enquanto andava, analisava as portas. “Banheiros, Tesouraria, Suspensão... Gritos.” “Gritos?!”pensei. Olhei para mais algumas portas, vendo o que estava escrito em letras douradas. “Primeiro ano – A, Primeiro ano – B, Segundo ano – A”.
- Eu. Não. Acredito. – Sussurrei. – “O idiota do Edward me colocou num colégio com... primário!” pensei. Raiva. Muita raiva.
- Senhorita Davies! – a mesma voz do interfone, só que agora mais audível, se dirigiu a mim.
 O homem que saiu da sala no fim do corredor, onde estava escrito “diretoria”, era baixinho, calvo e usava um terno verde-musgo com uma gravata vermelha e detalhes azuis. “Super in” pensei, e deixei um leve riso escapar de meus lábios. Os seus dentes da frente eram grandes, e os olhos pequeninos – o que acabava por me lembrar um ratinho. Ele andava alegremente em minha direção, com os braços abertos.
- Como está, querida? – perguntou, colocando as mãos em meus ombros e erguendo a cabeça para me olhar.
 Assenti com um sorriso tímido.
- Ah, não seja tímida! – ele exclamou. – Sou o diretor do Bristol’s High School, Bill McCartney.  
- Muito prazer, Sr. McCartney – falei, seguindo-o. Ele sorriu.
Fomos conversando até a diretoria, onde ele me entregou uns papéis das normas do colégio e o horário das aulas. Mostrou-me onde ficava o corredor da minha sala, no segundo andar, e na qual eu entrei sem ser percebida; afinal, estava uma bagunça total.

* * *


- Bom dia – a mulher disse, entrando na sala de aula. Ela era baixinha, gordinha e parecia ser bem “chatinha”. Os cabelos negros indefinidos desciam até um pouco abaixo dos ombros, uma franja cheia escondia sua testa de pele meio amarelada. Andou desajeitada até a mesa e colocou seus materiais sobre esta. Todos se sentaram rapidamente. – Hoje temos uma aluna nova – disse, pegando um bilhetinho e ajeitando os óculos. – Megan Elliot Davies?
 Levantei a mão, em silêncio. Algumas pessoas olharam pra mim com nojo, outras com curiosidade, e algumas nem deram atenção.
- Sou Jannet, a sua professora de História – ela disse, e deixou o bilhetinho em cima da mesa, virando-se para a lousa. – Vamos continuar de onde paramos na aula passada.
- Depois te passo a matéria – uma garota loira sussurrou para mim, vendo que eu estava completamente perdida. Sorri, agradecendo-a e virando para frente, para prestar atenção na aula. Que pelo visto seria muito chata.

O sinal ensurdecedor declarou o fim da aula de história que foi exatamente como eu imaginava: terrível.
- Que droga – sussurrei, abaixando a cabeça e cobrindo meus ouvidos com as mãos.
- Não se preocupe – uma voz doce invadiu meus ouvidos. – Logo você se acostuma.
- É, eu espero – falei, de má vontade, começando a guardar meu caderno na bolsa preta da Adidas.
- Me chamo Sarah – ela falou. Só então, ergui minha cabeça para olhar.
 Os cabelos loiros cacheados estendiam-se até o meio de suas costas. A pele era branca e macia, e os lábios eram rosados e pequenos, fazendo-a parecer uma bonequinha de porcelana. Os olhos azuis escondiam-se atrás de graciosos óculos, e os dentes possuíam um aparelho ortodôntico. Ela era pequena, e o rosto era fino e alongado.
- Megan – sorri, apertando sua mão num gesto amigável.
- Venha, ainda temos algum tempo livre antes da próxima aula – ela disse. Peguei minha mochila, mas ela logo interrompeu: - nem perca tempo, a próxima aula é história.
- Fala sério! – virei os olhos. Ela riu.
- Falo sério – ela disse, sorrindo. Entrelaçou seu braço fino no meu e me puxou para a porta. No corredor, alguns alunos estavam sentados nas janelas. Os garotos brincavam de jogar os outros para fora, e gritos agudos das garotas passavam por todo o corredor. Eu e Sarah passamos por um grupo de garotas que olharam muito torto pra gente. Coloquei as mãos dentro dos bolsos do casaco.
- Essas são as “Barbies” – Sarah disse em tom irônico e virou os olhos. – São um grupo de garotas metidas, todas lideradas pela garota mais popular do colégio: Annie Mackenzie.
- Eca – falei.
- Pois é – Sarah tremeu. – Elas me odeiam. Zoam com a minha cara na primeira oportunidade.
- E já tem algum grupo pra desafiar essas garotas? – falei. Eu sabia que aquilo era completamente infantil e idiota, mas foi o que me veio à cabeça.
- Mais ou menos... – ela falou, pensativa.
- Mais ou menos? – indaguei.
- Tem... as garotas do Hell Girl – ela respondeu. – Vem, vou te levar até elas.
 Sarah praticamente me arrastou escadas a baixo. Mesmo sendo tão pequenininha, a garota tinha uma força incrível. Chegamos numa parte da escola que eu ainda não conhecia. O pátio era enorme, cheio de bancos encostados nas paredes que o cercavam. Haviam alguns alunos lá, no palco ou nos bancos. O que me chamou a atenção foi o grupo que estava no meio do pátio. Eram no máximo seis garotas; todas vestindo roupas pretas, calças largas e rasgadas, all star, maquiagem forte e acessórios também negros e prateados.
- São elas mesmas – Sarah disse, quando percebeu pra onde eu estava olhando. – A líder delas, Marina Spencer, estuda conosco.
- Como eu não a vi na aula? – perguntei, confusa.
- Ela geralmente mata as aulas de história – ela respondeu, sentando no palco e sendo acompanhada por mim. – A professora é não sei o que dela, e meio que dá nota de graça.
- Que ridículo – falei.
- Uhum – ela resmungou. – Ah, droga, ela tá vindo!
- Quem? – falei, olhando para Sarah, que estava assustada.
- Marina! – ela disse, olhando para mim e logo abaixando os olhos.
- Porque tanto...
- Medo? – alguém me interrompeu.
 Ela usava all star preto, calças largas também pretas e uma camisa vermelha com quadradinhos pretos, e um casaco preto por cima. Os cabelos castanhos claro eram lisos e caíam até perto da cintura. Ela usava pulseiras de prata no braço direito, e no pescoço, uma correntinha prateada. Uma argola brilhava no lado direito de seu nariz.  
- Me chamo Marina – ela disse, estendendo a mão. – O que você já deve saber.
- É, eu já sabia – sorri e apertei a mão dela, logo em seguida soltando-a. – Megan.
- Nome bonito – ela disse. – Nova?
- Uhum – respondi. – Estudamos juntas.
- Ah... – ela suspirou, dando uma ‘olhada geral’ no meu corpo e rosto. – Vai ser divertido.
 Arqueou a sobrancelha direita com um meio sorriso e virou, andando em direção ao grupo.
- A gente se fala! – gritou, sem virar a cabeça para olhar.
- É... parece que ela gostou de você – Sarah disse, me olhando com certa pena.
- Isso é um problema? – perguntei, erguendo uma das sobrancelhas.
- Um problema? Ah, se é! – Sarah disse. Pensei que estive brincando, mas seu semblante estava sério. – E é um problema dos grandes.